De volta às aulas

Do caderno Cotidiano da Folha de São Paulo - 01/02/2011
JAIRO MARQUES


Muitos colégios, sobretudo os particulares, ainda rejeitam a matrícula de
crianças com deficiência

A ESCOLA DOS SEUS MOLEQUES está ensinando mandarim? E aquela nova técnica
ninja de resolver equações matemáticas mega complexas com duas rabiscadas
apenas? Tem um iPad com tela 3D para cada aluno? Está botando a criançada
para criar trecos tecnológicos aos moldes "faceboqueiros" ?
Ótimo. Formação técnica não há de faltar. Mas como está o ensino no que diz
respeito ao caráter humano?
Estão incentivando seus filhos a conviver em um ambiente que respeita e
favorece a diversidade entre as pessoas?
Incrível, mas muitos colégios tidos como de vanguarda, "modernoides" ,
sobretudo os particulares, ainda rejeitam a matrícula de crianças com
deficiência física ou sensorial. O resultado disso pode ser catastrófico
para o futuro dos pequenos "cadeirantinhos" , "ceguinhos", "surdinhos" e
"mal-acabadinhos" em geral e comprometedor para a formação das crianças
"normais", que são ceifadas de aprender valores humanos importantes como
tolerância, atenção ao próximo, exploração dos múltiplos sentidos.
A justificativa para a negação de um aluno "fora de padrão" costuma ser a
falta de acessibilidade ou de preparo do corpo docente. Os professores do
século 21, então, precisam sacar de "cybergames" , mas conhecer um pouquinho
de libras e braile -fundamentais para milhares de pessoas e universalmente
aceitas- é detalhe. Sem falar que a falta de uma rampa pode ser argumento
suficiente para enxotar uma criança do alcance da educação.
As adaptações que tive na vida escolar não passaram de uma mesona pesada de
madeira -mais larga e alta que as tradicionais carteiras de braço- e uma
ajudinha dos funcionários para que eu vencesse alguns degraus. Não nego que
tenha dado algumas "sofridinhas" pela ausência da inclusão plena, mas acho
que até aprendi o abecedário.
Penso que a imagem e os estigmas que envolvem uma criança com deficiência
são mais determinantes para serem gongadas na porta da escola do que suas
necessidades reais, que podem ser sanadas com medidas simples ou alguma
atenção diferenciada. Nada que irá mudar o rumo da civilização.
Quem vê uma criança com paralisia cerebral, toda tortinha, pode imaginar que
ali está um ser vivente sem condições de aprendizado. Na boa, a ideia é
errada e nem se tratam de exceções. Estimulada e com acesso a educação, ela
poderá ter um futuro brilhante, como qualquer certinho.
É nos tempos de escola -e logicamente em casa- que os valores humanos são
estimulados. Uma criança que convive, que compartilha seu espaço com outra
que não escuta, por exemplo, vai entender melhor o que é a linguagem do
corpo, saber que não há maneira única de chegar a um mesmo objetivo.
Do outro lado, aquele menino que usa muletas, ao ser bem recebido no
ambiente escolar, vai ganhar coragem para encarar o mundo e seus sufocos,
entenderá que diferenças existem entre todas as pessoas e aumentará suas
chances de traçar um futuro mais independente.
Complexo não é ter de martelar soluções para fazer o menininho cego aprender
a lidar com números, com cores. Complexo é não dar a ele a chance de
aprender, a sua maneira, como se soma, como se pinta. Complexo é gerar, para
o futuro, um ônus social pela ausência de formação de um deficiente.

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